E agora, vamos brincar de quê?
Crítica de Diogo Spinelli para Papelê: uma aventura de papel, da Téspis Cia. de Teatro (Itajaí/SC)
Uma folha de papel em branco, prestes a ser preenchida com o que tudo o que nossa imaginação quiser.
Esse pode ter sido o ponto de partida para a criação de Papelê: uma aventura de papel, da Téspis Cia. de Teatro (Itajaí/SC), apresentado no 7º Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha. Tendo o papel como matéria-base a ser explorada e transformada, a obra se utiliza de inúmeras técnicas do teatro de formas animadas para criar pequenas narrativas, ou brincadeiras.
Partindo de uma lógica de jogo, no qual tudo pode virar outra coisa, o elenco se diverte manipulando, metamorfoseando e dando vida a variados tipos de papel ao longo da montagem: papel luminoso recortado em formato de confete, caixas de papelão, um rolo de papel kraft, sulfites desenhados, bonecos de papel machê que remetem a dobraduras, dentre outros.
A incessante renovação de situações e de materiais remete às crianças que, após terem explorado determinado jogo até terem encontrado seu limite de interesse, perguntam-se o tempo inteiro: e agora, vamos brincar de quê? A diferença é que em Papelê não há tempo para esse questionamento, já que, mesmo sem que exista a preocupação de gerar qualquer tipo de nexo causal, as situações se sucedem com tanta organicidade, que passamos de uma coisa à outra sem muitas vezes nem nos darmos conta. Há, nesse sentido, algo de onírico no espetáculo: se o teatro de formas animadas já possui a tendência de nos transportar para o reino do fantástico e da imaginação, a vertiginosa dinâmica estabelecida em Papelê parece reforçar ainda mais esse aspecto de sonho.
Interessante também notar como, apesar de possuir no papel como matéria-prima seu ponto de ancoramento, é possível expandir o significado de papel presente no trabalho para aquele relativo ao jargão teatral, ou ainda para o sentido mais amplo de papel social. Ainda que o espetáculo inteiro possa ser lido sob essa chave – para além de sua vestimenta, o que faz com que reconheçamos um rei autoritário, ou uma heroína? – esse conceito de assumir diferentes papeis aparece com mais veemência em um dos momentos mais divertidos da montagem. Nesta cena, as atrizes estabelecem diversas relações entre si ao transformarem-se continuamente em distintos personagens através do simples ato de posicionar placas com diferentes figuras em frente aos seus rostos.
Aliás, essas placas/máscaras também são um elemento indicativo de outro trânsito que acontece no espetáculo: aquele entre os mundos analógico e digital. Tendo como inspiração a linguagem dos emojis, é surpreendente perceber como o grupo conseguiu atribuir potência cênica a esse elemento utilizado de forma tão banalizada em nosso cotidiano. Cabe dizer que a obra foi concebida em meio à pandemia de Covid-19, fator que certamente deve ter influenciado seu processo de criação no sentido de aproximar ainda mais a cena dos elementos do universo virtual. Outro exemplo disso é o uso das projeções, como na cena que remete aos jogos de videogames – que por sua vez, aparecem sobrepostos a referências à linguagem dos quadrinhos.
Da metade para o fim da peça, algumas das figuras que já apareceram em algum momento anterior da obra começam a reaparecer em rápidas inserções. Quando a primeira delas ressurge em cena, escuto uma criança atrás de mim comentar: “de novo, esse?”. Sorrio pensando sobre como, apesar da enorme variedade de situações, figuras e materiais presentes no trabalho, existe nas crianças uma inesgotável ânsia por novidades. Talvez, isso faça parte do nosso processo de conhecer o mundo: o que mais há para descobrir?
Após compartilhar com as e os espectadores uma porção de possibilidades lúdicas, ao final de Papelê o trabalho parece fazer um convite: “Essa foi a nossa brincadeira. Daqui em diante é com vocês: vão brincar de quê?”.
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